**Referência**📚: Jung B et al. JAMA. 2025; doi:10.1001/jama.2025. \[**[link](https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/10.1001/jama.2025.20231)**]
##### **Importância do estudo **
O BICAR-ICU-1, publicado no Lancet em 2018, havia reacendido o debate sobre o uso do bicarbonato em acidose metabólica grave no paciente crítico. Embora o estudo não tenha mostrado redução de mortalidade global, sugeriu benefício relevante em um subgrupo: pacientes com acidemia associada à lesão renal aguda (LRA) moderada a grave. Essa observação levantou a hipótese de que o bicarbonato poderia reduzir a necessidade de terapia renal substitutiva (TRS) e melhorar desfechos renais, mas carecia de confirmação.
O BICAR-ICU-2, publicado agora no JAMA (2025), foi o ensaio subsequente que testou diretamente essa hipótese, avaliando de forma prospectiva e multicêntrica se a infusão de bicarbonato poderia reduzir a mortalidade em 90 dias entre pacientes críticos com acidose metabólica severa (pH ≤ 7,20) e LRA estágio 2 ou 3.
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###### **🔬 Fisiopatologia e racional**
A acidose metabólica grave afeta diretamente a contratilidade miocárdica, a vasorreatividade, a oxigenação tecidual e a performance diafragmática. Em pacientes com LRA, o acúmulo de ácidos endógenos e a incapacidade renal de tamponamento agravam o distúrbio, levando à disfunção hemodinâmica e maior mortalidade.
O raciocínio fisiopatológico do bicarbonato é simples: elevar o pH para reduzir a acidemia e seus efeitos deletérios. Porém, os riscos incluem hipernatremia, hipercapnia, sobrecarga volêmica e potencial piora de oxigenação tecidual — justificando a necessidade de ensaios clínicos rigorosos.
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###### **📈 Desenho do estudo**
O BICAR-ICU-2 foi um ensaio clínico randomizado, aberto e multicêntrico, conduzido em 43 UTIs francesas entre 2019 e 2023, incluindo 640 pacientes com pH ≤ 7,20, Bic \<20 mEq/l, PaCO2 \< 45 mmHg e **IRA moderada ou grave (KDIGO 2–3)**. Foram excluídos pacientes com acidose respiratória ou acidoses por perda intestinal/acidose tubular renal.
Os participantes foram alocados 1:1 para receber infusão de bicarbonato 4,2%, 125-250 ml (máximo de 1000 ml/dia), visando pH ≥ 7,30. O grupo controle recebeu tratamento padrão sem bicarbonato. As indicações de TRS foram padronizadas em ambos os grupos. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas em 90 dias; secundários incluíram uso de TRS, mortalidade em 28 e 180 dias, dias livres de TRS, SOFA e complicações infecciosas.
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##### **📊 Resultados principais**
• **Mortalidade em 90 dias:** 62,1% (bicarbonato) vs 61,7% (controle), diferença absoluta de 0,4% (IC95% –7,2 a 8,0; p = 0,91).
• **Mortalidade em 28 e 180 dias**: também sem diferença significativa.
• \*\*Uso de TRS: \*\*35% (bicarbonato) vs 50% (controle) — diferença de –15,5% (IC95% –23,1 a –7,8).
• **Tempo mediano até início da TRS**: 31 h (bicarbonato) vs 16 h (controle).
• **Infecções de corrente sanguínea adquiridas em UTI**: 4% (bicarbonato) vs 9% (controle).
• Nenhuma diferença em tempo de ventilação mecânica, uso de vasopressores, SOFA ou tempo de internação.

**Figura 1**. Incidência cumulativa de óbito até o dia 90 (A) e uso cumulativo de terapia renal substitutiva até o dia 28 (B)
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###### **💉 Interpretação clínica**
O estudo não demonstrou benefício em mortalidade, mas confirma o papel do bicarbonato como **estratégia segura e potencialmente útil para retardar ou evitar TRS em parte dos pacientes com acidemia severa e IRA**. A ausência de efeito sobre mortalidade sugere que o benefício é mais “renocêntrico” do que sistêmico.
O menor número de infecções na UTI pode refletir a redução de necessidade de TRS e manipulação invasiva. O perfil de segurança foi aceitável, sem aumento de eventos adversos.
O fato de o BICAR-ICU-1 ter apontado melhora em subgrupo e o BICAR-ICU-2 não confirmar o benefício global reforça que a indicação de bicarbonato deve ser individualizada — reservada a pacientes com acidemia grave refratária, IRA significativa e potencial para recuperação renal.
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##### **Aprendizado prático**
O BICAR-ICU-2 é agora a evidência mais robusta sobre o tema:
✅ O bicarbonato não reduz mortalidade em 90 dias.
✅ Pode diminuir a necessidade ou retardar o início da TRS, com segurança.
✅ O uso rotineiro em toda acidose metabólica severa não é indicado, devendo-se selecionar pacientes com LRA e pH muito baixo (\<7,15–7,20), enquanto se corrige a causa de base.
Em suma, o bicarbonato deixa de ser vilão ou herói e passa a ocupar um espaço racional, como medida temporizadora — especialmente em UTIs onde o início de TRS pode ser postergado com monitoramento rigoroso.
##### P**ara a conduta a beira do leito**
Diante de um paciente crítico com pH ≤ 7,20 e IRA, o raciocínio deve ser: corrigir causas reversíveis, otimizar perfusão e ventilação, e considerar bicarbonato apenas se a acidemia estiver comprometendo hemodinâmica ou oxigenação, lembrando que a prioridade permanece tratar a etiologia e indicar TRS conforme critérios clínicos e laboratoriais objetivos.